Casa de farinha híbrida solar/biogás desenvolvida por pesquisadores do ITP visa acabar com poluição gerada pela queima de lenha

06/08/2019

Por Andréa Moura

O ouro branco que tem proporcionado uma vida melhor a muitas famílias de Campo do Brito, município sergipano distante 65 quilômetros de Aracaju, atende pelo nome de mandioca ou, para quem é nordestino, macacheira. Essa lavoura temporária da localidade, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) teve, em 2017, produção de 9.937 toneladas em uma área plantada de 690 hectares (ha), gerando um rendimento médio de 14.401 kg/ha.

A produção do principal subproduto desta raiz, a farinha de mandioca, tem ajudado, historicamente, a gerar emprego e renda para a população campo-britense e, de acordo com Carlos Lapa Santos, vice-presidente da Cooperativa de Produtores de Farinha de Mandioca do Campo do Brito, existem, somente neste município, cerca de 800 casas de farinha, sendo que 620 estão em funcionamento e, deste total, 158 estão no povoado Gameleira, que tem população aproximada de 2.500 pessoas. O restante das casas está distribuída entre os outros 18 povoados.

Carlos Lapa: madeira ainda é necessária ao processo

O fabrico da farinha gera, ainda, outro subproduto, que é a manipueira, líquido resultante da extração da mandioca e que, após ser decantado por cinco dias, é dado ao gado como ração, o que também é feito com a casca da raiz. Para se ter ideia da grandiosidade do processo, cada tonelada de mandioca gera 400 litros de manipueira e também, um novo problema para os produtores, que não sabem o que fazer com a grande quantidade de um resíduo que, se lançado diretamente no solo o torna infértil, devido às altas concentrações de cianeto. Somente a Cooperativa (instalada no Gameleira), criada há 12 anos e que emprega de forma direta 20 pessoas, recebe parte da produção de 52 produtores de sete povoados, e beneficia cerca de 40 toneladas de farinha por mês, como informou o gerente administrativo, Gustavo Santos.

De acordo com Carlos Lapa, Sergipe é um dos maiores produtores de farinha do país, vendendo boa parte do produto beneficiado para os comércios sergipano, baiano e paulista. Como a produção de mandioca de Campo do Brito não consegue suprir a demanda existente, esta matéria-prima é comprada, ainda, em outros municipios da região centro-sul sergipana, da Bahia e de Alagoas. “Também já fomos buscar mandioca no Paraná, em Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo”, relembrou. Disse, ainda, que todas as noites chegam a Campo do Brito caminhões carregados da raiz, às vezes até 30, cada um com 22 mil quilos do produto.

PROCESSO REQUER MELHORIA

Embora o volume de produção seja muito alto e as técnicas de fabrico tenham melhorado consideravelmente ao longo dos últimos anos, pois as prensas, peneiras e a maioria dos fornos foram mecanizados, a maneira de fazer farinha de mandioca é artesanal. A descascagem, por exemplo, ainda é manual e requer não só prática, como também muito cuidado por parte de quem realiza a atividade para não haver acidentes. Há, ainda, outro sério problema permeando a atividade: a queima de lenha para a torragem da farinha. “A própria cooperativa, junto com os produtores, já buscou outras formas de queima, como a utilização de gás e restos de casca do coco prensado, mas o fogo é muito alto para pouco tempo de queima, então, essas duas alternativas não foram viáveis, por isso, ainda não conseguimos avançar neste ponto”, lamentou Carlos Lapa.

Com relação à lenha utilizada nos fornos para cozimento da farinha, o produtor afirma não saber de onde ela é originária. Carlos Lapa informou que o reabastecimento desse insumo tem ocorrido, para  a grande maioria dos produtores, mensalmente. “No meu caso, por exemplo, uma vez por mês compro 8m³ de lenha, cujo valor é de aproximadamente R$ 1 mil”, informou.

TECNOLOGIA PARA O BEM SOCIAL

Dr. Renan Tavares e Dra. Odelsia Alcina fazem visita técnica às casas de farinha

Visando acabar com os problemas gerados pela queima da lenha, tanto para a saúde dos trabalhadores quanto para o meio ambiente, e que são, basicamente, poluição do ar e desmatamento, o pesquisador do Instituto de Tecnologia e Pesquisa, Dr. Renan Tavares de Figueiredo, coordenador do Laboratório de Catálise, Energia e Materiais (LCEM), vem trabalhando desde 2012 no desenvolvimento de um protótipo de ‘Casa de farinha solar/biogás’ utilizando concentrador solar de foco fixo, e um forno adaptado para aquecimento com energia solar e biogás, para ser utilizado no processamento da farinha de mandioca. O projeto visa integrar os conceitos de energias renováveis, meio ambiente e consumo consciente, e foi financiado pelo Banco do Nordeste do Brasil.

De acordo com o Dr. Renan Tavares, “o uso da lenha para aquecimento de fornos em casas de farinha é altamente degradante para o meio ambiente e, como esses locais possuem grande importância econômica para o interior nordestino, pensamos em uma nova fonte de aquecimento para que a atividade fim não fosse penalizada”. Disse, ainda, que o sistema de aquecimento híbrido (solar/biogás) para o feitio de farinha de mandioca representa uma inovação tecnológica com baixo impacto ambiental e que é promissora no ramo energético por usar a chamada energia limpa.

Protótipo de casa de farinha

Com a substituição gradativa da queima da lenha pelo métido de aquecimento solar/biogás haverá não só benefícios para o meio ambiente, mas, também, para os trabalhadores, à medida em que terão redução das despesas e, consequentemente, aumento na renda ao final do mês. O projeto também prevê um destino nobre à manipueira, pois este líquido será processado por meio de biodigestores e transformado em biogás, que será utilizado no aquecimento do forno. Depois de todos os estudos e testes, os pesquisadores conseguiram não só a fabricação de farinha de mandioca no protótipo que fora construído no laboratório, como também prepararam outros pratos que agradam aos sergipanos, como feijoada e pizza.

Essas novidades, que incluem a possibilidade de melhoramento no processo de fabricação da farinha e utilização nobre da manipueira, foram apresentadas pelos pesquisadores Drs. Renan Tavares e Odelsa Sanchez (pesquisadora do Laboratório de Tratamento de Resíduos e Efluentes do ITP) ao vice-presidente da Cooperativa, em Campo do Brito, Carlos Lapa, que se disse feliz e entusiasmado com essa nova esperança. “Há muito tempo estamos buscando alternativas que poluam menos e que melhorem o processo. Já estivemos com pessoas de outras gestões do governo do Estado pedindo essa ajuda; estiveram aqui gente que dizia entender do assunto e que conseguiria recursos para nos ajudar, mas não conseguiu nada. Se agora existe uma nova possibilidade vamos torcer para que tudo dê certo!”, declarou Carlos Lapa.

Além da construção do protótipo utilizando recursos regionais e estimulando a formação de mão-de-obra especializada na utilização da tecnologia social, o projeto desenvolvido pelo pesquisador do ITP também obteve como resultados: uma pesquisa de desenvolvimento tecnologico para convivência no sermiárido; e a avaliação do potencial do sistema solar, que proporcionará uma progressiva diminuição do consumo de lenha para o processamento da farinha de mandioca no estado de Sergipe. Dentre os benefícios elencados está o fato de ser uma energia limpa, oriunda de uma fonte gratuita, que não emite qualquer tipo de subproduto tóxico ou lixo descartável.



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